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A história do médico que terminou no hospício por defender a importância de lavar as mãos

Por History Channel Brasil em 30 de Março de 2020 às 13:31 HS
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Hoje em dia ninguém questiona a importância da assepsia em ambientes hospitalares. Mas nem sempre foi assim: antes que se soubesse da existência dos germes, os hospitais costumavam ser ambientes imundos que apresentavam índices altíssimos de mortes por infecção. A primeira pessoa a tentar mudar essa situação foi um médico húngaro chamado Ignaz Semmelweis. Sua ideia pioneira para amenizar o problema era simples: seus colegas deveriam lavar as mãos.

Na década de 1840, quando trabalhava em Viena, na Áustria, Semmelweis tentou introduzir uma rotina de lavagem de mãos  para reduzir as taxas de mortalidade de gestantes em maternidades. Mas como o médico concluiu que a higiene era um fator decisivo para salvar vidas? A partir de observações feitas no hospital onde atuava.

Semmelweis notou que duas salas de obstetrícia apresentavam discrepâncias quanto às taxas de mortalidade. Em uma delas, onde as pacientes eram atendidas por parteiras, havia menos mortes do que na outra, comandada por estudantes de medicina do sexo masculino. No hospital, acreditava-se que isso ocorria porque os estudantes tratavam as pacientes de modo mais duro do que as mulheres parteiras. A diferença de tratamento tornaria as mães internadas mais suscetíveis à febre puerperal. Mas Semmelweis não achava que isso fosse plausível.

Assim, Semmelweis passou a investigar o mistério. Primeiramente, ele observou que sempre que uma mulher morria de febre, um padre andava pela sala médica com um assistente tocando uma sineta. Ele chegou a achar que isso assustava as mulheres, fazendo que elas desenvolvessem a febre. Após banir o padre e notar que isso não fazia diferença na taxa de mortalidade, ele foi em busca de outra explicação.

O médico teve um estalo em 1847, quando um colega seu morreu de sintomas parecidos com os da febre puerperal após ter sido ferido acidentalmente por um bisturi enquanto dissecava um cadáver. Semmelweis propôs imediatamente uma conexão entre a contaminação cadavérica e a febre. Ele concluiu que os estudantes de medicina carregavam "partículas cadavéricas" nas mãos quando saiam da sala de autópsia para atender as pacientes da ala obstétrica. Isso explicava por que as pacientes tratadas pelas parteiras, que não participavam de autópsias e nem tinham contato com cadáveres, apresentavam uma taxa de mortalidade muito menor.

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A partir de então, o médico instituiu uma política de uso de uma solução de cal clorada (hipoclorito de cálcio) para lavar as mãos entre o trabalho de autópsia e o exame das pacientes. Ele fez isso porque descobriu que essa solução clorada funcionava melhor para remover o mau cheiro dos tecidos infectados em autópsias e, portanto, talvez destruísse o agente "venenoso"  hipoteticamente transmitido por esse material. O resultado foi que a taxa de mortalidade na ala tratada pelos estudantes do sexo masculino caiu 90% logo após a adoção do procedimento e foi comparável a da ala comandada pelas parteiras. No ano seguinte, a taxa de mortalidade chegou a cair a zero por algum tempo.

Durante o ano de 1848, Semmelweis ampliou o escopo de seu protocolo de lavagem, incluindo todos os instrumentos que entravam em contato com as pacientes em trabalho de parto. Ele também usou dados temporais de taxas de mortalidade para documentar seu sucesso em eliminar a febre puerperal da enfermaria do hospital.

Apesar dos bons resultados, seus colegas não estavam convencidos de que o sucesso era atribuído à higienização, pois o método carecia de uma explicação científica. Naquele tempo, acreditava-se que as doenças eram causadas por desequilíbrios nos "quatro humores". Como resultado, as ideias de Semmelweis foram rejeitadas pela comunidade médica. Outros fatores, mais sutis, também podem ter desempenhado um papel. Alguns médicos, por exemplo, ficaram ofendidos com a sugestão de que deveriam lavar as mãos, sentindo que seu status social como cavalheiros era incompatível com a ideia de que suas mãos pudessem ser impuras. 

Rejeitado em Viena, Semmelweis não teve seu contrato renovado com o hospital. Assim, ele voltou para Budapeste, onde assumiu um cargo médico de pouco prestígio em outra instituição. Mas lá ele também conseguiu eliminar a febre puerperal, que era praticamente epidêmica. Frustrado com a falta de reconhecimento, o médico desenvolveu um quadro de depressão severa. Durante essa época, ele falava obsessivamente sobre a questão da febre. Um dia, um amigo o levou a um manicômio, com o pretexto de visitar o instituto médico. Na verdade, ele estava sendo internado. Quando percebeu o que estava acontecendo, Semmelweis lutou com os guardas do local e foi brutalmente espancado. Amarrado em uma camisa de força e confinado em uma cela escura, ele morreu duas semanas depois devido a um ferimento na mão, que havia gangrenado. Ele tinha 47 anos.

A rotina de higienização de Semmelweis só passou a ser adotada amplamente algumas décadas mais tarde, quando Louis Pasteur, Joseph Lister e outros cientistas desenvolveram a teoria dos germes. 

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Fonte: BBC

Imagens: Michigan State University e Wikimedia Commons